Conselho Terena de MS aciona MPF contra Instrução Normativa da Funai sobre áreas pendentes de demarcação

Conselho Terena de MS aciona MPF contra Instrução Normativa da Funai sobre áreas pendentes de demarcação
foto: Gazeta Trabalhista

Em 16 de abril de 2020, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier da Silva, assinou a Instrução Normativa n. 09/2020, que disciplina o requerimento, análise e emissão da Declaração de Reconhecimento de limites em relação a imóveis privados. Esta normativa revogou a Instrução Normativa03, datada de 20 de abril de 2012, promovendo significativa mudança administrativa e atingindo os direitos e interesses dos povos indígenas do Brasil.

Para as lideranças indígenas a medida da Funai permite ocupação e venda de terras indígenas sem homologação, diminui a proteção a terras indígenas não homologadas e facilita a venda e grilagem dessas terras cujas demarcações estão pendentes, pois permite transações comerciais de terras cujo procedimento final ainda não chegou ao fim.

Julgando que tal procedimento acarreta significativos prejuízos aos processos de demarcação de áreas indígenas que estão pendentes e que facilita inclusive a venda de tais áreas pelos fazendeiros que as ocuparam ilegalmente, o Conselho do Povo Terena de Mato Grosso do Sul entrou com uma petição junto ao Ministério Público Federal para anular essa normativa da Funai. Para os indígenas causa estranheza que a Funai, que em tese existe para defender os povos indígenas, atue na defesa dos interesses do latifúndio.

Na petição a organização indígena aponta que o ato administrativo em questão representa uma violação aos direitos dos povos indígenas, tendo em vista que no estado de Mato Grosso do Sul, existem diversas áreas pendentes de demarcação, especialmente as Terras Indígenas Buriti, Taunay-Ipegue, Cachoeirinha, Nioaque, Pilad Rebuá, Lalima e a Terra do povo Kinikinau, em diversos municípios do estado, além das áreas pendentes de demarcação referentes à outras etnias do estado, que enfrentam o mesmo problema.

Segundo a petição do Conselho Terena, “a norma anterior, Instrução Normativa nº 03/2012, da Funai, tinha a finalidade apenas de fornecer aos proprietários de imóveis rurais a mera certificação de que foram respeitados os limites com os imóveis vizinhos onde vivem indígenas, quaisquer que fossem as relações jurídicas estabelecidas entre índio e terra (terra em discussão, em análise, homologada, declarada, etc.), não era nem necessário que a área estivesse em processo de demarcação.”

“Contudo, a partir da Instrução Normativa nº 09/2020, a Funai passa a certificar que os limites de imóveis, e até mesmo de posses (ocupações sem escritura pública), não se sobrepõem apenas em relação a Terras Indígenas (TIs) homologadas por decreto do Presidente da República. A consequência prática da emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites levando-se em consideração apenas as TIs homologadas por decreto presidencial é que apenas estas passam a ser consideradas pela Funai para constar no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), desconsiderando inclusive qualquer área que esteja em processo de demarcação.

O Sigef é uma base de dados eletrônica do Incra que reúne as informações oficiais sobre os limites dos imóveis rurais. Quando os imóveis não estão sobrepostos a áreas privadas, unidades de conservação ou TIs, a terra é cadastrada no sistema e o interessado obtém uma certidão, de forma eletrônica e automática. E, com o documento, é possível desmembrar, transferir, comercializar ou dar a terra em garantia para conseguir empréstimos bancários.

De acordo com o próprio MPF, que recomendou a anulação da IN 09/2020 à presidência da FUNAI, tal ato normativo cria uma situação de insegurança jurídica que aumenta “gravemente os riscos de conflitos fundiários e danos socioambientais”, vez que abre as terras indígenas para a grilagem.

Ou seja, a Instrução Normativa 09/2020, permite, de forma ilegal e inconstitucional o repasse de títulos de terras à particulares dentro de áreas indígenas protegidas pela legislação brasileira. A FUNAI está se utilizando da citada normativa para se tornar uma instância de certificação de imóveis para posseiros, grileiros e loteadores em Terras Indígenas (TIs).

O ato administrativo em questão representa uma violação aos direitos dos povos indígenas, tendo em vista que no estado de Mato Grosso do Sul, temos ainda muitas áres indígenas pendentes de demarcação, especialmente as Terras Indígenas Buriti, Taunay-Ipegue, Cachoeirinha, Nioaque, Pilad Rebuá, Lalima e a Terra do povo Kinikinau.

Para a emissão do documento previsto na IN 09, a Funai passará a considerar apenas a existência de Terras Indígenas homologadas, reservas indígenas e terras dominiais indígenas plenamente regularizadas (art. 1º, §1º), ignorando por completo, por exemplo, Terras Indígenas delimitadas, Terras Indígenas declaradas e TIs demarcadas fisicamente. Na IN 09 se ignoram ainda por completo as TIs com portaria de restrição de uso (art. 7o, Decreto n. 1.775/1996), as terras da União cedidas para usufruto indígena e também as áreas de referência de índios isolados, em restrição de uso, às quais não se faz qualquer menção.

Conforme noticiado pela imprensa, a edição da IN MJ/Funai 9/2020 foi comemorada nas redes sociais pelo Secretário Especial de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, que divulgou vídeo ao lado do Presidente da Funai Marcelo Xavier. Nas palavras de Garcia, a nova IN traz “justiça a milhares de proprietários rurais”.  Articulando interesses políticos e econômicos, os ruralistas tem agido de modo descomedido para impedir a demarcação das terras indígenas, defendendo que essas terras devem ser disponibilizadas para o agronegócio.

Tal medida teria um impacto direto em 237 terras indígenas de um total de 723 para o país inteiro, que se encontram em etapas anteriores à fase de homologação (declaradas, identificadas e em identificação) e que, simultaneamente, não se classificam como “reservas” ou “terras dominiais”. Estas terras desconsideradas representam 1/3 do total e, se consideramos o cenário fora da Amazônia Legal, a porcentagem passa a ser de 48%. Há também que se considerar o fato de que, ainda fora da Amazônia Legal, em termos de superfície abrangida, a soma das Terras Indígenas, em todas as fases de regularização fundiária, constitui apenas 1,7% do total das Terras Indígenas no país, mas com uma população de referência muito elevada, dando vida a índices demográficos de superpopulação.”

Ao final, o documento pede:

  1. O recebimento da presente representação e seu devido processamento, instaurando-se o competente inquérito civil para apurar a violação aos direitos dos povos indígenas;
  2. A propositura da competente ação civil pública com o fito de suspender liminarmente os efeitos da Instrução Normativa n. 09 da Funai, e no mérito, sua anulação, aplicando-se por arrastamento, a consequente anulação de todos os atos administrativos praticados com base na citada normativa;
  3. Requer ainda, a apuração de eventual prática de improbidade administrativa por parte do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), tendo em vista a violação aos princípios da administração pública, conforme dicção do art. 37, da Constituição Federal de 1988.

Clique no link abaixo para ver a Petição na íntegra:

REPRESENTAÇÃO-CONSELHO-TERENA-MPF-IN-9-FUNAI