Opinião: Por que relaxar se a Covid-19 ainda não atingiu seu ápice?
No início da semana passada mais de 50 infectologistas subscreveram um duro documento em que chamam a atenção dos/as administradores/as públicos/as brasileiros/as sobre as mais recentes medidas, de “flexibilização” (na verdade, r e l a x a m e n t o!) das medidas de distanciamento / isolamento social, quando ainda a covid-19 não atingiu seu temível ápice no país.
Do nada, baseados/as no achismo mais deslavado, muitos/as prefeitos/as e governadores mudaram sua postura diante da pressão não de empresários (porque os/as dignos/as desse nome têm filhos, netos, pais ou avós pelos/as quais, creio eu, são capazes de dar a própria vida), mas de abutres rentistas, verdadeiros/as parasitas do mer(d)cado financeiro, desde sempre uma jogatina que suga o sangue de quem trabalha de verdade — basta dizer que durante os anos de chumbo, o sistema financeiro foi o único que apresentou superávit nas duas décadas do regime de força, enquanto a indústria e o comércio sofreram retração.
Há quem diga que o brasileiro sofre de amnésia. Eu discordo. O povo que labuta como condenado desde o tempo da escravidão e anterior à vigência das leis trabalhistas, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de Getúlio Vargas (1938), tem ótima memória. Tanto é verdade, que não esquece quem governa priorizando as camadas mais vulneráveis da sociedade: Getúlio, Juscelino, Jango, Lula, Dilma… Não é à toa que os abutres do mercado, os mesmos que chantageiam os mandarins de plantão, precisaram dar um golpe, destituindo Dilma e prendendo Lula, para usar o traidor Temer e “eleger” com fake news o psicopata que diz presidir a nação.
Quem lê, ouve ou assiste não consegue acreditar no comportamento esquizofrênico que aquele que diz presidir a nação conseguiu disseminar pelas cinco regiões do país: com o maior desdém, pessoas de todas as idades, classes sociais, gêneros, etnias, níveis de instrução e condições econômicas mostram seu pior diante da perplexidade dos/as que ainda conseguem conservar a racionalidade. “Eu já vivi bastante, não tenho medo desse vírus…” Idiotas, mal sabem que o risco não são somente eles/as que correm, mas pessoas que amam, além das pessoas que trabalham para eles/as, e sem as quais não vivem.
E o pior é que o (mau) “exemplo” vem de cima, de quem deveria liderar o enfrentamento à maior pandemia dos últimos 80 anos, com a responsabilidade de estadista, de quem recebeu o voto de confiança — e não autorização para pôr uma roleta russa pronta para detonar nossos miolos — de milhões de seres humanos, mesmo ludibriados/as, no gozo dos direitos democráticos conquistados por nossas gerações ainda que corrêssemos todos os riscos no tempo em que “eles” tinham carta-branca (e cheque em branco) para tudo: superfaturar obras, censurar a imprensa, tolher a liberdade, ameaçar, prender, torturar, matar e dar sumiço, como que estivessem acima da lei.
A pura verdade é que, cultoras da necropolítica — a política da morte —, as hordas que se sentem responsáveis pela eleição do sem-noção usam a truculência, com seus potentes carrões a congestionar as vias públicas e ofender a dignidade de gestores que não se curvam aos seus caprichos, para “emparedar” políticos/as frouxos/as que não têm a habilidade digna de reconhecimento do ministro Luiz Henrique Mandetta, que ao lado dos governadores Ronaldo Caiado, João Dória e Wilson Witzell — ex-aliados seus — não abriram mão de sua responsabilidade perante a população, o Estado de Direito e História.
Ser conservador/a, afinal, é uma opção que pode e deve ser racional. O que é inadmissível é a irracionalidade com que verdadeiros bandos, súcias ou manadas de delinquentes com muito “poder”, dinheiro e imbecilidade querem saciar seus ímpetos criminosos levando a nação ao colapso do Sistema Único de Saúde (SUS), que é uma tênue materialidade do Estado Democrático de Direito, consignado no Título da Ordem Social da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, alcunhada de Constituição Cidadã, que essa canalhada quer ver rasgada, nem que para isso levem o país à barbárie.
Mas, isso não, isso jamais conseguirão, correndo o risco de verem reeditada a memorável Revoada das Galinhas Verdes, quando em plena Praça da Sé paulistana, em outubro de 1934, humildes mas altivos trabalhadores fabris deram literalmente uma surra a centenas de engravatados trajando ternos verdes (seguidores do integralismo de Plínio Salgado), os quais devem estar correndo até hoje, tamanha sua “coragem”. Aliás, a mesma coragem do esquizofrênico que sequer consegue demitir seu ministro, fazendo bravatas e pedindo a “minhos filinhas” a torpedearem o desafeto por meio de fake news, uma nada criativa caricatura de Napoleão Bonaparte de manicômio falido…
Ahmad Schabib Hany
(Nota da Gazeta Trabalhista: este texto foi escrito em 11/04/2020, publicamos por se manter atual)
*Os artigos assinados refletem a opinião do seu autor
Foto: Envato (sob licença)
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